Sapiens e a Revolução Cognitiva

A incrível capacidade humana de criar realidades imaginadas

Santahelena
5 min readOct 7, 2017

Muito antes de existir o que poderíamos chamar de história, já existiam o que se convencionou chamar de seres humanos. Sim, nós, os humanos.

Animais bastante similares aos humanos modernos—em tese, nós—surgiram por volta de 2,5 milhões de anos atrás. Mas, por incontáveis gerações, eles não se destacaram da miríade de outros organismos com os quais partilhavam seu habitat. É o que nos conta Yuval Noah Harari, o cultuado autor do bestseller “Sapiens — Uma Breve História da Humanidade”.

O autor israelense afirma que esses humanos arcaicos amavam, brincavam, formavam laços fortes de amizade e competiam por status e poder — mas os chimpanzés, os babuínos e os elefantes também. A coisa mais importante a saber acerca dos humanos pré-históricos é que eles eram animais insignificantes, cujo impacto sobre o ambiente não era maior que o de gorilas, vaga-lumes e águas-vivas.

O que então teria feito com que a nossa espécie prevalecesse sobre todas as demais espécies de humanos e de animais existentes no planeta?

O que fez com que nos alçássemos do meio da cadeia alimentar diretamente para o topo? Isso em um intervalo curtíssimo de tempo. De uma forma tão rápida e exponencial que o ecossistema sequer teve tempo de se preparar para tamanha transformação. Mas afinal, o que nos fez assim tão superior?

Poderia ter sido, por exemplo, pelo tamanho avantajado do nosso cérebro, algumas vezes maior do que o das demais espécies. Isso trouxe inúmeras vantagens incríveis. Mas também algumas desvantagens. Nós tínhamos que passar mais tempo em busca de comida, pois embora o cérebro fosse equivalente a 2 ou 3% do peso corporal, ele consumia 25% da energia do corpo quando este estava em repouso. Um verdadeiro sugador contumaz de energia. Para efeito de comparação, o cérebro de outros primatas requer apenas 8% de energia em repouso. Em segundo lugar, nossos músculos atrofiaram. Justamente por toda essa energia estar sendo canalizada para outro lugar. Sim, nós desviamos uma enormidade de energia dos bíceps para os neurônios.

Sobre este nosso incrível cérebro, Harari comenta: “por mais de 2 milhões de anos, as redes neurais dos humanos continuaram se expandindo, mas, com exceção de algumas facas de sílex e varetas pontiagudas, os humanos tiraram muito pouco proveito disso”. Então, podemos concluir que não foi o fato de termos cérebros incrivelmente avantajados.

Será que teria sido o fato de andarmos eretos apoiado em duas pernas? Tratava-se de um traço humano singular que certamente nos conferiu algumas vantagens, como termos uma melhor amplitude de visão das planícies, além de liberar os braços para outros propósitos, como produzir ferramentas e armas.

Ou será que pode ter sido a importante conquista do domínio do fogo, que nos garantiu o controle de uma força obediente e ilimitada, fonte de luz e calor, que ainda poderia ser uma arma letal contra outros animais ferozes?

Seria bastante plausível imaginar que tudo isso poderia ter nos tornado o animal mais poderoso da Terra. Mas não o fez. Ao menos não isoladamente. Na verdade, nós usufruímos de todas essas vantagens por 2 milhões de anos e seguimos sendo criaturas fracas e marginais na natureza.

O segredo do sucesso dos Sapiens

Como conseguimos nos instalar tão rapidamente em tantos habitats distantes e tão diversos? Como condenamos todas as outras espécies humanas à extinção e ao esquecimento?

O próprio Harari nos esclarece: “a resposta mais provável é propriamente aquilo que torna o debate possível. O Homo Sapiens conquistou o mundo, acima de tudo, graças à sua linguagem única. (…) O surgimento de novas formas de pensar e se comunicar, entre 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás, constituiu a Revolução Cognitiva. O que a causou? Não sabemos ao certo. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo. Poderíamos chamá-las de mutações da árvore do conhecimento”.

Mas o que você aí, lendo esse artigo, acha que há de tão especial em nossa linguagem? Exato, você acertou se pensou que é o fato dela ser incrivelmente versátil. Nós podemos consumir, armazenar e comunicar uma quantidade extraordinária de informação sobre o mundo à nossa volta. Mas não foi somente isso que nos tornou tão singular e superior. A característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é a sua versatilidade ou capacidade de transmitir informações tão detalhadas.

É, na verdade, a capacidade de criar e transmitir informações sobre coisas que não existem.

Apenas os sapiens podem falar sobre coisas que nunca viram, tocaram ou cheiraram. E assim criar realidades paralelas. “Lendas, mitos, deuses e religiões apareceram pela primeira vez com a Revolução Cognitiva. Antes disso, muitas espécies animais e humanas foram capazes de dizer: ‘Cuidado! Um leão!’. Graças à Revolução Cognitiva, o Homo sapiens adquiriu a capacidade de dizer: ‘O leão é o espírito guardião da nossa tribo”, esclarece Harari. O autor afirma que a capacidade de falar sobre ficções — que também são conhecidos no meio acadêmico como “construtos sociais” ou “realidades imaginadas” — é a característica mais singular da linguagem dos sapiens. E diz que “a ficção nos permitiu não só imaginar coisas como também fazer isso coletivamente. Podemos tecer mitos partilhados (…). Tais mitos dão aos sapiens a capacidade sem precedentes de cooperar de modo versátil em grande número (…). Foi o surgimento da ficção que possibilitou que um grande número de estranhos pudesse cooperar de maneira eficaz por acreditar nos mesmos mitos. Toda cooperação humana em grande escala — seja um Estado moderno, uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica — se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas.

Mas Harari faz questão de explicar que uma realidade imaginada não seria em si uma mentira. Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada seria algo em que todo mundo acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada exerce influência no mundo e em todas as pessoas que compartilham do mesmo construto social.

Harari arremata: “como você faz as pessoas acreditarem em uma ordem imaginada como o cristianismo, a democracia ou o capitalismo? Primeiro, você nunca admite que a ordem é imaginada. Você sempre insiste que a ordem que sustenta a sociedade é uma realidade objetiva criada pelos grandes deuses ou pelas leis da natureza”.

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Vale assistir ao TED do autor Yuval Noah Harari:

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Written by Santahelena

Writer, author; Professor of Deepmeaning Brandbuilding; Digital & Content Executive;

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