O Dilema de Erisictão
A humanidade em constante apetite devastador
A mitologia grega conta que Erisictão era um rei muito rico. Extremamente violento e arrogante, ele não temia ou reverenciava nenhum dos deuses gregos. Em sua crescente loucura e ambição, se considerava acima de tudo e de todos. Em dado momento, num acesso de insensatez, decidiu invadir o bosque sagrado de Deméter, a deusa da agricultura. Enlouquecido, Erisictão derrubou de forma voraz todas as árvores do bosque. Uma a uma no chão com golpes raivosos do seu machado. Não poupou nem o imenso carvalho central, a árvore favorita de Deméter. Os troncos feridos esguichavam sangue. Um dos criados tentou impedi-lo e teve a cabeça cortada em um único golpe de machado. As Dríades, divindades da floresta, correram em desespero para exigir justiça à Deméter.
A deusa clamou pela ajuda de Éton, a Fome. Deméter decidiu então inserir a fome dentro do estômago de Erisictão. Isso fez com despertasse no rei louco um imenso e infinito apetite devorador. Nada seria capaz de apaziguá-lo. Em poucos dias, Erisictão consumiu toda comida disponível em seu palácio. Depois, gastou toda sua fortuna para comprar mais. E mais. E mais. Desesperado, chegou ao absurdo de vender sua própria filha Mnestra como escrava para comprar mais comida. Horrorizada, Mnestra então recorreu à ajuda de seu amante Poseidon, que lhe concedeu o dom da metamorfose. Assim, ela conseguiu escapar diversas vezes de seus sucessivos proprietários. Mesmo assim, voltava a ser vendida por seu pai, que não conseguia se saciar de nenhuma forma. Transtornado, no ápice de sua loucura, Erisictão começa então a comer os próprios membros. E acaba devorando a si próprio. A única forma de cessar sua fome foi consumindo-se e e esgotando-se a si mesmo. Exaurindo sua existência. Exterminando-se.
Eis o dilema
Nós, os seres humanos que habitamos o planeta Terra, seguimos em nossa jornada faminta e insana. Tão incansáveis e insaciáveis quanto Erisictão. Não percebemos que, ao destruir o planeta para nos saciar, estamos consumindo a nós mesmos. O dilema consiste em decidir quem vamos conseguir exterminar primeiro: o planeta ou a humanidade.
Estamos vivenciando o maior extermínio de espécies em 65 milhões de anos.
O consumo dos recursos naturais por indivíduo não para de crescer. Em 1970, a ingestão de alimento era de cerca de oitocentas mil calorias por pessoa por ano. Em 2010, esse número já estava em milhão de calorias por ano.
O consumo de água por pessoa por ano mais que dobrou no mesmo período. Apesar do crescimento da internet e dos gadgets, e do declínio de jornais e livros impressos, o uso do papel aumentou de 25 quilos por pessoa por ano em 1970 para 55 quilos em 2010.
Temos tecnologias mais eficientes energeticamente do que em 1970. Mas também temos mais tecnologia. E uma parte maior do mundo tem acesso à eletricidade. Assim, enquanto usávamos 1.200 quilowatts-hora por pessoa por ano em 1970, saltamos para mais que o dobro, 2.900 quilowatts-hora, em 2010.
Para produzir 1 quilo de carne são necessários 2.500 litros de água. A agricultura animal é responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa. Isso é mais do que o escape combinado de todos os transportes existentes. A pecuária e seus subprodutos representam pelo menos 32 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, ou 51% de todas as emissões mundiais de gases de efeito estufa. O consumo de água da agricultura voltado para alimentação animal chega a 76 trilhões de galões anuais. Pasmem: a agricultura é responsável por entre 80-90% do consumo de água dos EUA.
O animais que a humanidade chama de "gado" (do espanhol que significa "bens", ou seja, transformamos vidas em um bem consumível) produz ainda 150 bilhões de galões de metano por dia. O metano tem um potencial de aquecimento global de 86 vezes o do CO2 em um período de 20 anos. O gado é responsável por 65% de todas as emissões relacionadas ao homem do óxido nitroso — um gás de efeito estufa com 296 vezes o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono e que permanece na atmosfera por 150 anos. As emissões para a agricultura deverão aumentar 80% até 2050. A agricultura animal é a principal causa de extinção de espécies, zonas mortas oceânicas, poluição da água e destruição de habitats. Mais de 1/3 do planeta está desertificado, com o gado como principal causa. A agricultura animal é responsável por até 91% da destruição da Amazônia.
Como Kevin Ashton afirma em seu livro “A História Secreta da Criatividade”: “o poder de crescimento da população é maior do que o poder da Terra de produzir meios de subsistência para o homem. A população, se não for controlada, cresce em progressão geométrica. A produção de alimentos aumenta apenas em progressão aritmética. Ou seja: estamos produzindo mais gente do que comida, de modo que logo a maioria vai passar fome”.
As perspectivas são terríveis. A população mundial não para de crescer. Em 1812 era 1 bilhão; 1912: 1,5 bilhão; 2012: 7 bilhões. Só entre 1970 e 2010 a população humana dobrou. Em 1970, as pessoas viviam em média até os 52 anos. Em 2010, até os 70 anos. Não somente somos o dobro de pessoas, mas cada qual está vivendo um terço a mais.
A pergunta que fica é: a tecnologia avançará ao ponto de gerar alimentos que não precisem de um planeta ou ao ponto de encontrar um planeta novo que possamos estragar?